DEPUTADO CARLOS SANTOS

Monday, May 24, 2004

HOMENAGEM DE ALCEU COLLARES

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Alceu Collares, ex-Governador do Estado

Quando, em 1935, eu tinha 8 anos de idade, lá no meu Povo Novo, distrito de Bagé, e tinha a preocupação maior de ajudar aos meus pais, não fiquei sabendo que, na Capital, na Assembléia Legislativa, um homem decidido – de origem humilde, um operário –, sentava-se no plenário dos representantes do Rio Grande do Sul, como deputado classista.Eu poderia afirmar que naquele instante surgia um ícone, um modelo a ser seguido. Todavia, isto não seria adequado dizer, pois lá estava eu, na minha Bagé, à margem dos eventos que ocorriam, ligados ao jovem político rio-grandino Carlos Santos, que fazia furor na emergente metrópole.

Adequado, sim, será dizer que seguimos, Carlos Santos e eu, trilhas paralelas, que viriam a se cruzar somente muitos anos adiante daquele distante 1935. Eu fui buscar, como Carlos Santos havia feito antes, o ensino formal, como ferramenta segura para implementação de nossos projetos de jovens. Fui a Rio Grande fazer as provas do exame alternativo, então chamado de Artigo 91, no Ginásio Lemos Junior. Lá estava a bonomia personalizada no secretário da escola, Carlos da Silva Santos. Ele me acolheu, prestativo, estimulante, encorajador, desde logo. Aliás, anos antes de mim, ele próprio, no afã de recuperar o tempo consumido, sem chance de estudar, no estaleiro onde trabalhara como aprendiz e depois mestre caldereiro, se submetera à alternativa do estudo temporão.

Conseguimos, Carlos Santos e eu, cada um a seu tempo, o grau do ensino médio e, avançamos, os dois, também cada qual ao seu ensejo – nos submetendo aos exames vestibulares – ingressando, ele na Faculdade de Direito de Pelotas, e eu na Faculdade de Direito da UFRGS, de Porto Alegre.Tornamo-nos advogados e políticos. Ele já vinha, desde os meus oito anos, e no auge de seus trinta e um, atuando na política sindical.Então, segui minha vocação, endereçando-me para a vida política e, inquestionavelmente, tinha em Carlos Santos um exemplo a ser seguido.E fomos os dois, em paralelo, tocando nossas vidas. Tornei-me vereador de Porto Alegre, e ele exercia mais um mandato como deputado estadual.

Fui para a Câmara dos Deputados, em Brasília, e ele permaneceu aqui, lutando por tudo o que acreditava e fazia questão de honrar.Nossa capital, trinta anos atrás, mais do que hoje, era uma província; conheciam-se todos. Mais ainda, quando se atuava numa mesma área de atividade. Éramos políticos, Carlos Santos e eu. Passamos a conviver, além disto, nossas vidas pessoais. Conheci, mais profundamente o chefe de família; aliás, de uma família grande, onde ele acolhia, sob sua asa, como o patriarca do imaginário comum, filhos, filhas, netos e chegou a conhecer bisnetos. O homem, rigoroso e responsável chefe de clã, admirado portador de sólida crença cristã, foi recolhendo troféus e comendas, como a Papal, ao tempo em que também foi semeando sua fé, mais no exemplo que emanava de seu agir, do que propriamente de alguma persistente atuação como devoto ostensivo.

Mas, político como sempre fui, pelo menos desde que me conheço, tenho, necessariamente, que destacar uma marca deste personagem histórico: o Tribuno. Não se poderá falar de qualquer ação, de qualquer iniciativa, de qualquer instante da vida pública de Carlos Santos, que não se ligue de forma marcante ao seu talento como tribuno. De voz privilegiada, de empostação correta e adequada, de cuidadoso fraseado, retocado por inegável conhecimento da língua portuguesa, de conteúdo preciso, porque ou preparado com responsabilidade ou lastreado em firme conhecimento do tema abordado – sim, Carlos Santos foi o grande tribuno intuitivo já como jovem líder sindical, antes e depois do marco 1935.

Foi o assinalado tribuno, no vestibular aparecimento, como o deputado estadual negro que, apenas 47 anos após a Abolição, fazia vibrar vitrais, lustres, paredes e sentimentos dentro da vetusta Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Tribuno que, no Congresso Eucarístico, expressão máxima da reliosidade católica, emocionou multidões, endereçando sua mensagem de fé e de esperança, que pregava melhores dias para sua categoria funcional, os metalúrgicos.Esse político notável, ao longo de mais de cinqüenta anos, abrigou sob os mandatos, não apenas legislativos, que lhe outorgaram, batalhas que defendiam direito dos pescadores e homens do mar, de sua região.

Inscreve-se de forma definitiva, no interesse nacional, seu projeto, transformado em política federal, do Pró-câncer.Dele partiu um grito pioneiro, em favor do Sul do Estado, cada vez mais empobrecido, por suas características históricas. O ensino público para os menos favorecidos e, quase no fim de seus dias, ainda como parlamentar, a batalha em favor de deficientes e idosos. Neste capítulo, justa a homenagem que tive o imenso prazer de lhe prestar, batizando com seu nome o Centro Integrado de Ensino Público – CIEP, de Cruz Alta, voltado para portadores de necessidades especiais. Capítulo em que se insere, da mesma forma, sua atuação, desde muito jovem, em favor dos irmãos negros de sua comunidade: transformava blocos carnavalescos, ao longo do ano, em oficinas de aprendizado.

Esse homem foi trilhando os caminhos que desbravava e chegou a um clímax que honraria toda uma vida de dedicação à coisa pública. Não apenas elegeu-se presidente da Assembléia Legislativa que o acolhera, jovem, lá no distante 1935, mas recolheu a predestinação de fechar com chave de ouro o prédio histórico que o ouvira debutante 32 anos antes. Ao mesmo o tempo, abria as portas do Palácio Farroupilha. Era o ano de 1967, o mesmo que registraria sua passagem, mais de uma vez, como governador interino do Estado.

O jovem operário; o estudante noturno; o avô estudante de Direito – o político de toda vida, sentara-se na cadeira de vultos da história do Rio Grande, a mesma que caminhos paralelos levariam a sentar-me, adiante 24 anos.Carlos Santos foi para a Câmara Federal, onde estivemos juntos – ele, o Velho Mestre, o elegante e prestativo colega, o respeitado parlamentar, o irretocável tribuno. Nunca se prestará justa e completa homeagem ao deputado emérito Carlos Santos, mas a repetição de honrarias, mesmo queagora, póstumas, se constitue em prova inequívoca de que o Rio Grande do Sul está engalanado neste ano em que,se vivo, Carlos da Silva Santos completaria um Século. E eu, como amigo que tive a honra de ser do Mestre, registro aqui minha reverente recordação.

FONTE: http://www.al.rs.gov.br/eventos/carlos_santos/mensagens.htm

Sunday, May 23, 2004

HOMENAGEM DE PAULO PAIM

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Paulo Paim, Senador

Agradeço a oportunidade de participar das justas homenagens prestadas pela Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul à figura extraordinária de Carlos Santos, por ocasião de seu centenário de nascimento. Quando do centenário de Luiz Gama, em 1982, o Deputado Carlos Santos ocupou a tribuna da Câmara Federal para lamentar que “uma alma, um vulto, um nome, uma expressão como Luiz Gama passe despercebido ao ensejo de seu centenário...” Somos nós, agora, que lamentamos que o transcurso do centenário de Carlos Santos não tenha merecido até este momento as homenagens devidas a um brasileiro do Rio Grande que viveuintensamente os desafios de uma sociedade profundamente desigual e injusta, diante dos quais afirmou sempre sua vontade indomável e sua confiança na democracia.

Continuamos desatentos ao que realmente importa destacar, deixando de trazer ao conhecimento das novas gerações um conjunto de valores positivos como aqueles que impulsionaram a trajetória de um trabalhador negro, nascido a apenas 16 anos da abolição da escravidão.Em diferentes situações da vida pública, tenho feito depoimentos sobre a minha infância e adolescência, relatando as dificuldades criadas pelo preconceito e, também, procurando aprofundar o debate e a reflexão sobre a importância de uma referência negra positiva.Sofríamos na escola com o vazio, o silêncio e as distorções. Raramente tínhamos a oportunidade de encontrar figuras negras, ou fatos importantes referentes aos negros, nos livros didáticos.

Ainda não nos debruçamos o suficiente sobre os efeitos na auto-estima de milhões de crianças brasileiras causados pela negação sistemática de nossos valores de cultura e de nossa humanidade.Na minha juventude, o Deputado Carlos Santos foi uma referência extremamente positiva. Era uma voz que se erguia para dizer que os negros não serviam apenas para o samba e o futebol. Creio mesmo que nossas afinidades, ambos negros, ele caldeireiro naval nos estaleiros de Rio Grande e eu metalúrgico em Canoas, vão além da identidade racial e da origem de classe.

Nossas afinidades são também muito nítidas nas prioridades de nossa atuação parlamentar, na escolha dos temas sociais. Cito aqui o portador de deficiência, o idoso, os desvalidos e abandonados à própria sorte.Conseguimos, há um ano atrás, após uma luta árdua, a aprovação do Estatuto do Idoso e precisamos reconhecer nesse campo o pioneirismo de Carlos Santos.Foi ele, sem dúvida, uma das primeiras vozes do Parlamento brasileiro a tratar o tema, denunciando com vigor “a desumana realidade de nossas instituições sociais, que transformam, de fato, o envelhecer, numa das maiores tragédias dos menos favorecidos da fortuna”.São palavras de Carlos Santos, em 28 de setembro de 1982.

Sua luta avançou e hoje está sendo tocada por muitas mãos em todo o Brasil. Sua sensibilidade humana lhe permitiu antever os temas realmente essenciais, aqueles que se vinculam às aspirações mais profundas de nosso povo.Fez política com a razão e com o coração e, por isso, permanece conosco, nós que continuamos a lutar nas mesmas trincheiras. Carlos Santos dedicou-se à luta contra os preconceitos e viveu buscando os meios que permitissem que os brasileiros pudessem viver em um país mais justo.Nesse momento em que celebramos o seu centenário, evocamos sua presença como fonte de inspiração para as novas gerações.

FONTE: http://www.al.rs.gov.br/eventos/carlos_santos/mensagens.htm

Saturday, May 22, 2004

HOMENAGEM DE PEDRO SIMON

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Pedro Simon, ex-Governador do Estado

É motivo de grande alegria dar este breve depoimento pelo transcurso dos cem anos de nascimento do deputado Carlos Santos, meu grande amigo, um dos mais destacados homens públicos do Rio Grande do Sul, cidadão brasileiro de escol, homem de profundo sentimento cristão.Começo lembrando que Carlos Santos foi o primeiro parlamentar negro eleito no Brasil, como deputado classista, função que desempenhou na Assembléia Legislativa entre 1935 e 1937, quando, com o início do Estado Novo, foram fechadas as câmaras legislativas dos estados. Esse sem dúvida é um fato notável.

Vejamos: um cidadão negro, de origem humilde, elegeu-se com pouco mais de 30 anos para o Parlamento gaúcho, um dos estados brasileiros de mais compacta imigração européia. O mais corriqueiro seria a eleição de um primeiro deputado descendente de africanos em um dos estados do Norte, e não no Rio Grande do Sul. No entanto, foi isso que ocorreu. Isso se deve, e muito, às excepcionais qualidades intelectuais, espirituais e morais desse homem, desse digno rio-grandino.

Durante longos anos, convivi com Carlos Santos no parlamento gaúcho. Foi lá que aprendi a admirá-lo e a respeitar a sua imensa capacidade de articulação política, de conciliação, de liderança. Era um líder político de aguda percepção dos problemas sociais. Vindo de uma família humilde, compreendia melhor do que todos a imensa dívida social que esta nação tem para com seus habitantes, em especial os mais pobres e, entre esses, a imensa comunidade dos afro-descendentes.

Carlos Santos era um homem de espírito público, ou seja, seus votos e sua ações eram sempre orientadas de modo a atender o maior número de pessoas, com a maior transparência possível, dentro da tradição republicana riograndense. Era um homem de grande pureza. Tinha um forte sentimento religioso que era uma inspiração a mais no seu trabalho político. Devoto de Nossa Senhora, era assíduo na freqüência à igreja.Lembro agora da imensa alegria que sentimos, ele e eu, quando recebemos uma comenda do Papa.

Creio que foi a primeira vez que parlamentares – de qualquer país do mundo – receberam um galardão por terem feito uma edição popular, modesta, do texto da encíclica Populorium Progressio. Queríamos com aquela publicação despertar os cristãos para uma necessidade de maior engajamento na vida política, na luta pela conquista dos mais elementares direitos sociais. Com aquela encíclica, a igreja se colocou decididamente ao lado dos mais humildes.

Se tivesse que resumir meu apreço por Carlos Santos eu me concentraria em duas palavras: carinho e respeito. Tenho um grande respeito por ele. Admiro sua trajetória humana. Foi um exemplo para todos, mas em especial um exemplo para os jovens afro-descendentes. Guardo dele uma amizade profunda. Sempre tive muito carinho pela sua figura generosa, calorosa.
Na sua longa vida política, eu destacaria sua passagem pela Presidência da Assembléia Legislativa e pelo governo do Estado, interinamente. No Poder Legislativo, desempenhou um trabalho dos mais profícuos: concluiu e inaugurou o Palácio Farroupilha.

Quando do seu falecimento, eu estava à frente do Governo do Estado. Decidi que Carlos Santos – em função do seu valioso trabalho político – deveria ser velado naquele Palácio. Seria a homenagem do Rio Grande a um homem que dedicou sua vida às causas mais nobres: a solidariedade, à justiça, à igualdade, à fraternidade.A passagem dos seus cem anos de nascimento é um bom momento para refletirmos sobre a situação dos afro-descentes do Brasil. Hoje a questão das etnias ganhou maior publicidade.

Debate-se agora a criação de cotas para estudantes negros nas universidades públicas, como maneira de reduzir um pouco o imenso fosso que se estabeleceu aqui entre os descendentes de europeus e os de africanos. Avançamos um pouco nos últimos anos, mas poderemos avançar mais – e mais depressa – nos próximos anos. Ao final, quando alcançarmos a verdadeira democracia racial, sempre poderemos dizer que a ascensão dos negros no Brasil nasceu pelo esforço e pela dedicação de homens públicos como Carlos Santos.

FONTE: http://www.al.rs.gov.br/eventos/carlos_santos/mensagens.htm