HOMENAGEM DE ALCEU COLLARES
Alceu Collares, ex-Governador do Estado
Quando, em 1935, eu tinha 8 anos de idade, lá no meu Povo Novo, distrito de Bagé, e tinha a preocupação maior de ajudar aos meus pais, não fiquei sabendo que, na Capital, na Assembléia Legislativa, um homem decidido – de origem humilde, um operário –, sentava-se no plenário dos representantes do Rio Grande do Sul, como deputado classista.Eu poderia afirmar que naquele instante surgia um ícone, um modelo a ser seguido. Todavia, isto não seria adequado dizer, pois lá estava eu, na minha Bagé, à margem dos eventos que ocorriam, ligados ao jovem político rio-grandino Carlos Santos, que fazia furor na emergente metrópole.
Adequado, sim, será dizer que seguimos, Carlos Santos e eu, trilhas paralelas, que viriam a se cruzar somente muitos anos adiante daquele distante 1935. Eu fui buscar, como Carlos Santos havia feito antes, o ensino formal, como ferramenta segura para implementação de nossos projetos de jovens. Fui a Rio Grande fazer as provas do exame alternativo, então chamado de Artigo 91, no Ginásio Lemos Junior. Lá estava a bonomia personalizada no secretário da escola, Carlos da Silva Santos. Ele me acolheu, prestativo, estimulante, encorajador, desde logo. Aliás, anos antes de mim, ele próprio, no afã de recuperar o tempo consumido, sem chance de estudar, no estaleiro onde trabalhara como aprendiz e depois mestre caldereiro, se submetera à alternativa do estudo temporão.
Conseguimos, Carlos Santos e eu, cada um a seu tempo, o grau do ensino médio e, avançamos, os dois, também cada qual ao seu ensejo – nos submetendo aos exames vestibulares – ingressando, ele na Faculdade de Direito de Pelotas, e eu na Faculdade de Direito da UFRGS, de Porto Alegre.Tornamo-nos advogados e políticos. Ele já vinha, desde os meus oito anos, e no auge de seus trinta e um, atuando na política sindical.Então, segui minha vocação, endereçando-me para a vida política e, inquestionavelmente, tinha em Carlos Santos um exemplo a ser seguido.E fomos os dois, em paralelo, tocando nossas vidas. Tornei-me vereador de Porto Alegre, e ele exercia mais um mandato como deputado estadual.
Fui para a Câmara dos Deputados, em Brasília, e ele permaneceu aqui, lutando por tudo o que acreditava e fazia questão de honrar.Nossa capital, trinta anos atrás, mais do que hoje, era uma província; conheciam-se todos. Mais ainda, quando se atuava numa mesma área de atividade. Éramos políticos, Carlos Santos e eu. Passamos a conviver, além disto, nossas vidas pessoais. Conheci, mais profundamente o chefe de família; aliás, de uma família grande, onde ele acolhia, sob sua asa, como o patriarca do imaginário comum, filhos, filhas, netos e chegou a conhecer bisnetos. O homem, rigoroso e responsável chefe de clã, admirado portador de sólida crença cristã, foi recolhendo troféus e comendas, como a Papal, ao tempo em que também foi semeando sua fé, mais no exemplo que emanava de seu agir, do que propriamente de alguma persistente atuação como devoto ostensivo.
Mas, político como sempre fui, pelo menos desde que me conheço, tenho, necessariamente, que destacar uma marca deste personagem histórico: o Tribuno. Não se poderá falar de qualquer ação, de qualquer iniciativa, de qualquer instante da vida pública de Carlos Santos, que não se ligue de forma marcante ao seu talento como tribuno. De voz privilegiada, de empostação correta e adequada, de cuidadoso fraseado, retocado por inegável conhecimento da língua portuguesa, de conteúdo preciso, porque ou preparado com responsabilidade ou lastreado em firme conhecimento do tema abordado – sim, Carlos Santos foi o grande tribuno intuitivo já como jovem líder sindical, antes e depois do marco 1935.
Foi o assinalado tribuno, no vestibular aparecimento, como o deputado estadual negro que, apenas 47 anos após a Abolição, fazia vibrar vitrais, lustres, paredes e sentimentos dentro da vetusta Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Tribuno que, no Congresso Eucarístico, expressão máxima da reliosidade católica, emocionou multidões, endereçando sua mensagem de fé e de esperança, que pregava melhores dias para sua categoria funcional, os metalúrgicos.Esse político notável, ao longo de mais de cinqüenta anos, abrigou sob os mandatos, não apenas legislativos, que lhe outorgaram, batalhas que defendiam direito dos pescadores e homens do mar, de sua região.
Inscreve-se de forma definitiva, no interesse nacional, seu projeto, transformado em política federal, do Pró-câncer.Dele partiu um grito pioneiro, em favor do Sul do Estado, cada vez mais empobrecido, por suas características históricas. O ensino público para os menos favorecidos e, quase no fim de seus dias, ainda como parlamentar, a batalha em favor de deficientes e idosos. Neste capítulo, justa a homenagem que tive o imenso prazer de lhe prestar, batizando com seu nome o Centro Integrado de Ensino Público – CIEP, de Cruz Alta, voltado para portadores de necessidades especiais. Capítulo em que se insere, da mesma forma, sua atuação, desde muito jovem, em favor dos irmãos negros de sua comunidade: transformava blocos carnavalescos, ao longo do ano, em oficinas de aprendizado.
Esse homem foi trilhando os caminhos que desbravava e chegou a um clímax que honraria toda uma vida de dedicação à coisa pública. Não apenas elegeu-se presidente da Assembléia Legislativa que o acolhera, jovem, lá no distante 1935, mas recolheu a predestinação de fechar com chave de ouro o prédio histórico que o ouvira debutante 32 anos antes. Ao mesmo o tempo, abria as portas do Palácio Farroupilha. Era o ano de 1967, o mesmo que registraria sua passagem, mais de uma vez, como governador interino do Estado.
O jovem operário; o estudante noturno; o avô estudante de Direito – o político de toda vida, sentara-se na cadeira de vultos da história do Rio Grande, a mesma que caminhos paralelos levariam a sentar-me, adiante 24 anos.Carlos Santos foi para a Câmara Federal, onde estivemos juntos – ele, o Velho Mestre, o elegante e prestativo colega, o respeitado parlamentar, o irretocável tribuno. Nunca se prestará justa e completa homeagem ao deputado emérito Carlos Santos, mas a repetição de honrarias, mesmo queagora, póstumas, se constitue em prova inequívoca de que o Rio Grande do Sul está engalanado neste ano em que,se vivo, Carlos da Silva Santos completaria um Século. E eu, como amigo que tive a honra de ser do Mestre, registro aqui minha reverente recordação.
FONTE: http://www.al.rs.gov.br/eventos/carlos_santos/mensagens.htm